quarta-feira, 16 de setembro de 2009

• ARTIGOS E COMENTÁRIOS ESPECIALIZADOS

- Trem bala preocupa Caieiras: Hamamoto está preocupado com o projeto do Trem Bala

- Foi bom para a França; será bom para o Brasil?

- Pilotos rejeitam estação do trem-bala no Campo de Marte

- Trem-bala: o projeto da discórdia


- O Artigo POLICY ANALYSIS High-Speed Rail TheWrong Road for America do comentarista americano Randal O”Toole aborda as restrições para implantar o sistema de trem-bala nos Estados Unidos, em decorrência das complicações enfrentadas pelos trens de alta velocidade na Europa, no Japão e em outras localidades.


Os aspectos de custo e ambientais não são os únicos itens que desencorajam a implantação do trem-bala nos USA.


Estes comentários servem de alerta para os responsáveis pela ANTT considerarem outras opções para equacionar o transporte de passageiros entre as grandes metrópoles brasileiras, sendo um dos caminhos a reaparelhagem dos leitos existentes com a implantação de trens expressos (a exemplo do projeto paulista Expresso Bandeirantes, ou da linha expressa entre Washington e Boston, que passa por New York).




Trem-bala atropela Caieiras
Roberto Hamamoto: "Somos como marido traído, que é o último a saber"


O projeto inicial do trem de alta velocidade (TAV) que ligaria Campinas ao Rio de Janeiro, por São Paulo, prevê que o traçado cortará a cidade de Caieiras no meio, passando por cima do prédio onde está sendo construído o Paço Municipal, de uma delegacia, ao lado de um hospital inaugurado em dezembro do ano passado e de uma escola estadual. O prefeito Roberto Hamamoto, mostra-se aborrecido e preocupado com a situação.
"Além de tudo isso, não haverá uma estação em Caieiras e nenhuma contrapartida. Só teremos a cidade cortada de cabo a rabo. Somos contra o projeto apresentado", afirma Hamamoto. O prefeito ressalta que, antes de ter assumido o cargo, em janeiro deste ano, foi vereador em Caieiras por oito anos e, em todo esse tempo, nunca ouviu falar que o município foi consultado sobre o projeto. "Somos como marido traído, que é o último a saber", compara. "Só uma vez fiquei sabendo que o secretário de Obras foi procurado por um homem que chegou com um tradutor, perguntando se na cidade havia quilombolas ou índios."




Foi bom para a França; será bom para o Brasil??


É inacreditável como o nosso sistema político permita tocar um projeto como o trem bala com argumentos tão absurdos. Essa fragilidade é uma das causas do nosso subdesenvolvimento


Texto: Eduardo Fernandez Silva


Desculpem-me, leitores: retorno, mais uma vez, ao tema trem bala. É que me assusta a fragilidade das nossas instituições, a ponto de permitir prosperar ideia tão descolada das nossas necessidades! Além de ser um dos maiores projetos jamais empreendidos no Brasil, trata-se de obra de utilidade e prioridade duvidosas, além de inviável. Tanto que, para justificá-la, seus promotores têm usado argumentos insustentáveis, um dos quais é dizer que o projeto é bom porque os vendedores de trem bala têm interesse no mesmo. Pode? Recentemente, ouvi outro argumento também inacreditável: o trem bala gerou grandes benefícios na França e no Japão e, portanto, também beneficiará o Brasil. Trata-se de nova versão daquele velho ditado “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, que tanto mal nos causou e que pensávamos superado...

Senão, vejamos. Há, nos países mencionados, pelo menos quatro diferenças principais em relação ao Brasil que determinam resultados opostos, lá e cá, com o uso de dinheiro público para implantar um trem bala. Primeira, lá existem malhas ferroviárias maiores que a nossa, embora em territórios menores, e toda a população viaja de trem a cada semana. Ou seja, alguns avanços tecnológicos obtidos com o desenvolvimento do trem bala aplicam-se a toda a malha, beneficiando 100% da população. No Brasil, como não há trem, não haverá benefício algum para a maioria da população.

Segunda diferença: lá, há uma indústria ferroviária que produz desde trilhos e rodas até locomotivas e sistemas de controle operacional e gestão. Aqui, nossa indústria ferroviária é proporcional à malha: ridiculamente pequena e até locomotivas temos que importar. Quase tudo, do trem bala, virá de fora. Terceira: existem, lá, cen¬tros de pesquisa em transporte ferroviário que desenvolvem tecnologia e empregam milhares de profissionais de alta qualificação. Para manter seus empregos, nada como vender um trem bala para os países subdesenvolvidos. Com o início das obras do trem bala nós, brasileiros, ajudaremos a manter os empregos dos engenheiros franceses, que parecem os prováveis vencedores da futura licitação... A quarta diferença também ajuda a entender por que, lá, um trem bala faz sentido e, aqui, tenderá a ser mais um elefante branco, uma megaobra que tenderá a se arrastar por décadas e na qual enterraremos muito, mas muito mesmo, dinheiro público: sem trocadilho, serão 100 km de túneis! Há muitas aplicações melhores para o nosso dinheiro! Esta quarta diferença é o fato de que, quando franceses e japoneses deram início ao desenvolvimento do trem bala, há décadas, naqueles países todas as crianças frequentavam escolas de boa qualidade, favelas eram quase inexistentes, saneamento básico era amplamente disponível, a atenção à saúde já era melhor que a brasileira, as ferrovias já estavam incorporadas ao cotidiano etc, etc, etc.

Essas diferenças significam, em síntese, que o mesmo projeto terá resultados completamente diferentes, lá e cá. No entanto, seus defensores não se vexam de dizer que, como foi bom para eles, será bom para nós! Aliás, é inacreditável como o nosso sistema político permite tocar um projeto como esse com argumentos tão absurdos. Essa fragilidade é, certamente, uma das causas do nosso subdesenvolvimento!



Pilotos rejeitam estação do trem-bala no Campo de Marte



Eles são contra proposta federal de reduzir local a heliponto. E prometem ir à Justiça

Daniel Gonzales, JORNAL DA TARDE


Entidades que representam pilotos e empresas de aviação com sede no Campo de Marte, o mais antigo aeroporto paulistano, localizado na zona norte da capital, prometem partir para a briga para tentar barrar a transformação do espaço na estação paulistana do trem de alta velocidade (TAV), São Paulo-Rio.

O edital de licitação do TAV deve ser lançado no fim do mês, após o término da consulta pública. Especialistas avaliam que a obra, a ser 70% custeada com dinheiro público, não ficará pronta a tempo da Copa do Mundo de 2014 - somente para os Jogos Olímpicos, em 2016.

Hoje, as duas principais entidades, a Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag) e a Associação dos Concessionários, Empresas Aeronáuticas e Usuários do Campo de Marte (Acecam), fazem uma reunião para definir um plano de ação contra a proposta federal, de reduzir o local a um heliponto, para liberar espaço para a estação e pátios de manobras do TAV. Não estão descartadas ações na Justiça e no Ministério Público contra a proposta.

Há consenso de que o governo está "esquecendo" do principal setor interessado: a aviação geral. "É equívoco sem tamanho transformar o aeroporto em heliponto, mais um dos 480 da capital. Estamos falando da paralisação dos negócios", diz o comandante Ricardo Nogueira, vice-presidente da Abag.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deve se pronunciar após a consulta pública sobre o TAV, que termina no dia 15. Mas o ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse na semana passada que o "destino de Marte deve ser os helicópteros".

Segundo Nogueira, aeronaves, hangares e empresas, se "despejados" do Campo de Marte, o quinto maior aeroporto do País em movimento (atrás de Cumbica, Congonhas, Santos Dumont e Galeão), não terão para onde ir.

Atuando no limite, com 283 operações de pousos e decolagens por dia em 2008 (ano em que registrou 103 mil movimentos), o Campo de Marte foi o aeroporto que absorveu praticamente todo o movimento de pequenos aviões e helicópteros após o acidente com o A320 da TAM em Congonhas, em 2007, onde as operações de pequenas aeronaves foram limitadas de dez para quatro por hora.

"O Aeroporto Internacional de Guarulhos não tem vocação para essa atividade e nem espaço para recebê-la", diz o piloto. Pequenos jatos e turboélices particulares descem lá caso haja cancelamento de voos das grandes empresas. "Outras opções não existem: Jundiaí tem pistas e terminal saturados; Viracopos não tem estrutura específica. Sorocaba, idem. E São José dos Campos é longe."

O Campo de Marte foi selecionado em agosto pela ANTT para ser a estação paulistana do TAV - obra que custará R$ 34,6 bilhões - em detrimento de outra opção, o Terminal da Barra Funda, na zona oeste, que não teria espaço para abrigar os pátios dos trens.





Trem-bala: o projeto da discórdia


O Governo anuncia para o primeiro trimestre de 2010 a publicação do edital da licitação para construção do TAV – Trem de Alta Velocidade, que deverá ligar as cidades do Rio de Janeiro, S. Paulo e Campinas. Já envolto em polêmica, o projeto tem demonstrado elevada propensão para a cizânia, para a discórdia, angariando críticos ferozes e a desaprovação de especialistas e até mesmo de pessoas relacionadas, de alguma forma, com sua construção.

Com efeito, o trajeto do trem cruza áreas habitadas – segmentando subúrbios e isolando concentrações urbanas –, agride ecossistemas detentores de biomas diversos e de preservação importante, compromete áreas publicas, além de outros inconvenientes; senão vejamos, para citar apenas alguns exemplos.

Os habitantes de S. José dos Campos repelem a programada passagem do trem pela Concha do Banhado, área de grande relevância ambiental para o município e orgulho de preservação ecológica. Caieiras rechaça o traçado, pois divide a cidade ao meio, obrigando a derrubada da sede da Prefeitura e de um grande Hospital, recém-inaugurados, além de inúmeras outras construções. Itupeva já se manifestou contra a passagem prevista do trem pela cidade, pois atravessa subúrbios importantes, segmentando-os, bem como cruza a região recentemente preparada para a expansão industrial local.

Na Capital, os usuários do Campo de Marte não admitem a desativação do aeroporto local para ali construir a principal estação do trem-bala em S. Paulo. O aeroporto é muito importante para a aviação regional, além de manter escola de pilotos. Prometem lutar na Justiça, se for preciso, apelando para o apoio da INFRAERO, que ficará em confronto direto com o Ministério dos Transportes, no particular.
Por outro lado, reivindicações de cunho político vêm-se avolumando. O prefeito de Campinas apresentou 14 demandas à ANTT, algumas bastante onerosas, como a construção de túnel não incluído no projeto original e de difícil implementação. Pindamonhangaba exige a construção de estação do trem-bala na cidade, não prevista, para compensar o ônus da passagem pelo seu território. O mesmo pleito é defendido, no estado do Rio, por Resende, só para citar duas cidades que já se manifestaram oficialmente perante a ANTT. Outras cidades vão nessa mesma direção, com seus políticos se movimentando para pressionar as autoridades, em Brasília, em apoio de suas paroquiais reivindicações.

O trem-bala devastará aproximadamente 900 hectares de matas, incluindo trechos da Serra da Mantiqueira, Serra dos Cristais, Serra das Araras e Serra do Bananal. Serão agredidas áreas de proteção de mananciais, áreas nativas de proteção silvestre e outras de interesse ambiental. Os ecologistas, sempre aguerridos no combate às afrontas à natureza, prometem mobilizações contra a expedição das licenças ambientais para a obra, bem como ingressar em Juízo para defender suas causas, o que certamente emperrará o curso normal do projeto.

A implantação do trem-bala apresenta o inconveniente de desalojar inúmeras famílias (aproximadamente 1.000), que terão suas casas desapropriadas para dar lugar aos trilhos. Esses moradores, com certeza, deplorarão o projeto. Da mesma forma, haverá indesejáveis deslocamentos de estabelecimentos industriais, comerciais e agrícolas, além de instalações públicas, procedimentos altamente condenáveis.

O projeto do trem-bala prevê a alocação de R$ 34,6 bilhões para sua implementação, previsão essa que muito provavelmente dobrará ao final da construção, constituindo-se em fonte de críticas dos especialistas em contas públicas, dada a falta de recursos orçamentários para o atendimento das prioridades nacionais em educação, saúde, habitação e saneamento básico.

As disputas pelo valor das desapropriações se arrastarão por anos na Justiça, em demandas para aumentar as correspondentes propostas governamentais, criando esqueletos orçamentários para as futuras administrações.

Por sua vez, os defensores da reestruturação da esfacelada malha ferroviária brasileira estão perplexos diante da concentração elevada do investimento numa só linha férrea, que, ainda por cima, não transporta carga, levando em consideração que têm sido sistematicamente negados recursos para a renovação da precária rede férrea nacional. A construção do projetado anel ferroviário de S. Paulo, por exemplo, tão importante, arrasta-se há anos sem solução.

O custo da tarifa para os passageiros, de acordo com o projeto, será, em média, o dobro da tarifa do ônibus, colocando em dúvida a procura de passageiros pelo uso do trem-bala, que em verdade competirá com as tarifas aéreas, muito atrativas e em franco processo de redução.

No seio do Ministério dos Transportes o projeto do trem-bala não apresenta unanimidade. O trecho de S. Paulo a Campinas não preenche as condições que justifiquem a construção de trem de alta velocidade. Além do mais, o projeto paulista denominado Expresso Bandeirantes, para o mesmo trecho (inclusive ligando o aeroporto de Viracopos), apresenta condições bem mais favoráveis e custo muito mais baixo, por aproveitar parte do leito antigo da ferrovia existente e desativada para passageiros.

Politicamente, o Governo Federal e seus adeptos chancelam a iniciativa de “projeto de Nação”, enquanto a oposição o considera eleitoreiro, mais uma fonte de corrupção, que fará a alegria das empreiteiras, assim como dos fornecedores internacionais de material ferroviário.

O Ministério Público aguarda as notícias e as denúncias para entrar em cena, com seu arsenal jurídico disponível para sopesar os argumentos sobre a conveniência do projeto.

S. Paulo, 14 de outubro de 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário